Estados com dívidas de R$ 413 bilhões negociam novo socorro da União

Notícias | 11/05/21

Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás, Amapá e Rio Grande do Norte negociam adesão ao novo regime de recuperação fiscal; programa pode ser o segundo maior refinanciamento da história, atrás apenas de pacote dos anos 1990.

Por Bianca Lima e Luiz Guilherme Gerbelli, GloboNews e G1

Com uma dívida que ultrapassa os R$ 400 bilhões, seis estados estão em negociação com a União para aderir ao novo regime de recuperação fiscal. Estão nesta lista: Rio de JaneiroMinas GeraisRio Grande do SulGoiásAmapá e Rio Grande do Norte.

“Espera-se que os pedidos de adesão sejam realizados ao longo deste e dos próximos meses”, informou o Tesouro Nacional, por meio de nota. As solicitações serão analisadas e a entrada no novo socorro financeiro não é garantida.

O Rio de Janeiro, único estado que conseguiu entrar na primeira versão do regime, em 2017, acumula a maior dívida: R$ 170,7 bilhões. O valor inclui os débitos com a União e também os empréstimos com instituições financeiras e organismos multilaterais que contam com garantias da União. Ou seja, se o governo estadual der o calote, o governo federal é obrigado a pagar.

Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que, assim como o Rio, contam com as piores notas no ranking do Tesouro, aparecem logo na sequência.

Dívida que pode ser renegociada — Foto: Economia/G1

Se as seis unidades da federação aderirem ao novo regime, esse será o segundo maior refinanciamento da história, atrás apenas de um pacote dos anos 1990.

Renegociações anteriores – e a origem das dívidas

Segundo o economista Marcos Mendes, que pesquisou a crise fiscal dos estados nos últimos 40 anos, o maior socorro foi feito em 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Na época, foram renegociados R$ 556 bilhões, em valores já corrigidos pela inflação. 25 unidades da federação aderiram – número bem maior do que agora.

“Nós tivemos uma crise muito forte das dívidas dos estados no fim dos anos 90, que veio da quebra dos bancos estaduais e do fato de a inflação ter acabado com a forma mais barata de financiamento dos estados, que era deixar as suas despesas se desvalorizarem pela inflação”, diz Mendes, professor do Insper.

“Houve um programa muito sério e bem-sucedido, iniciado em 1997, em que o governo federal assumiu as dívidas estaduais em troca de um programa de ajustamento. E tinha um instrumento muito forte no programa: a União tinha autorização para entrar na conta do estado e tirar o dinheiro se ele não pagasse a prestação do refinanciamento da dívida.”

Após esse pacote bilionário e a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal, a situação financeira dos governos locais melhorou. Mas apenas de forma passageira: os governadores aproveitaram a bonança econômica dos anos 2000 para expandir os gastos, principalmente com pessoal, e as dívidas voltaram a crescer.

“Só que, quando veio a crise econômica, a receita caiu, mas o pessoal que foi contratado não podia ser mandado embora, e a dívida tinha que ser paga”, explica Mendes.

Novo regime de recuperação

É em meio a esse cenário que a União prepara um novo resgate aos Estados superendividados.

Decreto publicado em abril estabelece que os governos locais terão nove anos para reequilibrar as contas, com alívio na cobrança das dívidas. Na primeira versão do regime, criado em 2017, eram apenas três anos, que podiam ser renovados por mais três.

Nos primeiros doze meses, que não entram na contagem do prazo, a suspensão do pagamento é integral.

Como contrapartida, os governadores deverão:

  • Promover a privatização de estatais
  • Estabelecer uma espécie de teto de gastos, limitando o crescimento das despesas à variação da inflação
  • Reduzir em 20% os incentivos e benefícios fiscais
  • Fazer uma reforma da Previdência
  • Rever benefícios dos servidores

“A nova versão consertou alguns problemas do regime anterior”, afirma Mendes, do Insper. “No programa original, por exemplo, se o estado não cumprisse as condições de ajustamento ele seria excluído do regime.”

“Mas essa punição era muito forte e não tinha credibilidade. O Rio não cumpriu e não foi excluído, porque conseguiu pressionar politicamente”, diz o professor.

Rio avança no acordo

Uma das negociações mais avançadas é exatamente a do Rio de Janeiro.

Em abril, logo após o decreto publicado pelo governo federal, o ex-secretário de Fazenda Guilherme Mercês afirmou que o estado iria apresentar um novo plano e que uma “nova etapa” teria início com o novo regime de recuperação. Mercês deixou a secretária na semana passada e foi substituído por Nelson Rocha.

A expectativa é que o programa dê um alívio de R$ 4,5 bilhões aos cofres do estado apenas em 2021.

Mas o governo fluminense ainda tem pendências com a União, referentes ao primeiro programa de socorro. Estudo elaborado pela Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) mostra, por exemplo, que o estado deveria ter cortado R$ 2,9 bilhões em incentivos fiscais a empresas e setores econômicos, mas o ajuste ficou em apenas R$ 1,4 bilhão.

“Na entrada do regime, o Rio se comprometeu a reverter uma tendência de aumento de incentivos fiscais. Essa contenção efetivamente ocorreu, mas ficou aquém daquilo que era esperado”, diz o economista Matheus Rosa Ribeiro, autor do estudo da Febrafite. “O estado só conseguiu cortar metade do volume de incentivos. Isso é algo que deve ser debatido.”

Em 2020, o Rio de Janeiro abriu mão de um valor equivalente a 15% da sua arrecadação devido a essas exceções tributárias. “Quase 90% dos incentivos fiscais (concedidos pelo RJ) têm prazos indeterminados, então não têm um compromisso com a sua revisão”, destaca Ribeiro.

Procurada, a Secretaria de Fazenda do Rio não se posicionou sobre o estudo, mas confirmou que pretende aderir ao novo regime de recuperação fiscal.

Estados judicializaram as dívidas

Hoje, todos os seis estados em negociação com o Tesouro estão com o pagamento da dívida suspenso por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Esse regime de recuperação fiscal é um esforço para tentar reduzir os incentivos à inadimplência. É um processo longo. E passa, por exemplo, pelo fato de o STF reconhecer que ele não pode a todo momento suspender o pagamento de dívida, alegando que os estados são a parte mais fraca, porque isso vai gerar sempre estímulo a gastar demais, a se endividar e a não se comprometer com o pagamento da dívida”, diz Mendes.

governo de Goiás, por exemplo, conta com uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do STF, que suspende o pagamento das dívidas do Estado junto ao Tesouro Nacional e a bancos públicos.

A liminar porém, vence no dia 30 de junho e fontes a par das negociações afirmam que ela não deve ser renovada. Ao longo dos últimos meses, o Supremo vem atuando como intermediário, numa tentativa de conciliação entre o governo de Goiás e o Tesouro, para possibilitar o ingresso no novo regime de recuperação. Segundo fontes, há entraves em relação a um dos pré-requisitos de adesão, relacionado ao nível de endividamento.

A expectativa é que uma audiência final entre as partes seja realizada ainda no mês de maio. O Estado tenta desde dezembro de 2018 fazer parte do regime de recuperação fiscal e já entregou um plano atualizado ao Tesouro Nacional.

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Fonte: G1