‘Falta uma agenda de recuperação da economia’, diz Laura Carvalho

Notícias | 02/06/21

Por Anna Carolina Papp, Bianca Lima e Luiz Guilherme Gerbelli, GloboNews

A economista Laura Carvalho avalia que o Brasil enfrenta uma grande incerteza com o rumo da pandemia de coronavírus e não tem uma agenda capaz de garantir uma recuperação robusta da atividade econômica.

Na avaliação dela, o novo boom das commodities até pode ajudar a economia brasileira, mas o país precisa desenvolver programas de investimentos e de transferências de renda para conseguir se beneficiar desse movimento global.

“A gente, nos anos 2000, usou de alguma forma esse cenário externo favorável, mas também houve uma série de políticas que contribuíram para uma expansão da economia brasileira: realizamos investimentos em infraestrutura e houve uma expansão de programa de transferência de renda”, afirma Laura, pesquisadora-líder do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo.

“De maneira geral, falta uma agenda de crescimento, de recuperação da economia”, diz.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

  • Qual é o quadro que você espera para a economia brasileira em 2021?

Nós ainda estamos com uma incerteza muito grande relacionada não apenas ao controle da pandemia, à possibilidade de novas ondas, mas também ao ritmo de vacinação. O que parece é que o restante do mundo está numa trajetória um pouco mais segura de recuperação.

A gente tem um novo boom de commodities, que muitos consideram que é até tão forte quanto aquele que a gente viveu nos anos 2000. Isso pode nos ajudar em meio a uma situação que é ainda muito frágil, no que tange a economia doméstica, com uma política fiscal que não tem feito o trabalho de garantir a renda das famílias nessa situação ainda gravíssima de crise sanitária.

  • Qual é o impacto da pandemia na desigualdade social?

Os países com mais desigualdade tiveram mais dificuldade para controlar tanto a crise sanitária como os seus impactos econômicos. Além disso, o choque econômico e a natureza desse choque, causado pela pandemia, afetam desproporcionalmente os trabalhadores mais pobres e, com isso, agravam as desigualdades no mercado de trabalho.

  • Você poderia detalhar como se deu essa desigualdade no mercado de trabalho?

Os setores mais afetados são associados a serviços: turismo, restaurante, entretenimento, cultura. São setores que empregam muita gente e uma mão de obra relativamente menos escolarizada e, com isso, acabam levando a uma perda maior da renda para os trabalhadores que estão na base da pirâmide em relação à média da população.

Em 2020, um consenso se formou rapidamente em torno da necessidade de se realizar um grande esforço por parte do estado para colocar os recursos que eram necessários para o Auxílio Emergencial e para políticas de sobrevivência das empresas. Isso tudo fez com que a desigualdade em 2020 subisse do ponto de vista da renda do trabalho, mas não aumentasse quando a gente considerava também a renda obtida pelo auxílio, por exemplo.

  • Qual vai ser o impacto da queda do valor do auxílio no consumo das famílias e no resultado do PIB deste ano?

Em 2020, o auxílio de R$ 600, que depois se tornou de R$ 300, acabou evitando a perda de renda para metade da população brasileira mais pobre, na média. É claro que você pode ter pessoas que perderam renda dentro dessa metade mais pobre. Mas, quando a gente olha para os dados da Pnad Covid, a gente vê que a perda de renda dessa metade da população foi mais do que compensada pelo valor recebido via auxílio.

Em 2021, o Brasil passou meses sem nada, até ser aprovada uma prorrogação. Não há dúvida de que a gente está prejudicando a nossa capacidade de recuperar a economia neste ano por causa dessa insuficiência do valor do auxílio. E isso vai se mostrar ainda mais verdadeiro caso a gente passe por uma nova onda.

  • O que o país pode fazer para reduzir a desigualdade no longo prazo?

Há diversos estudos mostrando que o Brasil teria capacidade para expandir o sistema de proteção social, com um Bolsa Família ampliado, alguma coisa que tivesse entre o Auxílio Emergencial e o Bolsa família. Se a gente conseguisse ficar no meio, com um programa mais amplo, um pouco menos focalizado do que o Bolsa Família, mas, ao mesmo tempo, com um desenho mais permanente do que aquele que foi o auxílio, a gente teria a capacidade de lidar com os desafios que já vinham até de antes da pandemia.

  • E como financiar?

É possível financiar com aumento da tributação no topo da pirâmide. E eu não estou nem me referindo ao imposto sobre grandes fortunas ou outros impostos sobre patrimônios. A própria tributação no Brasil não é tão progressiva, no sentindo de tão justa, quanto poderia ser. A gente ainda tem, no topo, muitas isenções que são dadas, deduções, por exemplo, para saúde e educação privada que beneficiam muito o topo da distribuição.

Haveria espaço para uma reforma nesse sistema de tributação, que poderia vir num pacote de ampliação das transferências de renda na base. É assim que isso tem sido pensado no resto do mundo: você tributa de maneira progressiva e universaliza essas políticas de renda mínima para a base da pirâmide.

  • Tem espaço e viabilidade política para a aprovação de alguma das reformas no governo Bolsonaro?

Vai ser muito difícil aprovar algum tipo de reforma e me parece que, se for aprovada, será alguma coisa muito diferente do proposto e, possivelmente, com baixo impacto em termos de Orçamento. Eu acho que o cenário político não é favorável. A gente está no meio de uma crise sanitária e não acho nem que seria desejável que, nesse momento, a discussão se desse em torno dessas reformas estruturais.

O objetivo de uma reforma administrativa, por exemplo, é melhorar a qualidade do serviço público brasileiro, reestruturar carreiras, fazer com que aqueles que estão prestando os serviços para a população prestem da melhor maneira possível. Isso é o objetivo de uma reforma administrativa. Não deveria ser o de gerar R$ 1 bilhão ou quantos bilhões (de economia) no curtíssimo prazo. Quando a gente já trata as reformas de longo prazo dessa maneira, a gente costuma desviar dos seus verdadeiros objetivos.